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1858: um teatro em Ponta Grossa adiou partida de viajante

Imagem ilustrativa gerada por IA

Em 07 de julho de 1858, esteve visitando a “bela Vila de Ponta Grossa”, o Sr. José Victorino da Silva Azevedo. E no jornal Dezenove de Dezembro, de 9 de julho de 1858, declarou:

Hoje que é o espirito da época, ou antes, moda, fazer qualquer viajante a narração das suas viagens ser-me-á permitido a fazer público um pequeno trecho dos muitos apontamentos que tenho em minha carteira, relativo ás minhas digressões viageiras. Talvez, que alguém me critique por eu não me considerar no número dos literatos descritivos; porém a mania do século XIX desculpará o meu amor próprio: muito mais que aquilo de que vou ocupar a publica atenção, a ninguém molesta; mas antes regozijara a todos aqueles que são amigos do progresso nesta boa terra do Brasil.

Tendo chegado ao dia 07 de julho (depois de uma longa excursão pelo interior da Província do Paraná) na Vila de Ponta Grossa, ali soube que no dia seguinte (09) havia um espetáculo público no Theatro, para festejar o dia da aclamação de S.M. o Imperador D. Pedro II.

Achei estranho que num lugar alias pequeno, e retirado da capital da Província, houvesse um Theatro capaz de preencher tão solene festejo, e muito mais uma companhia dramática que desempenhasse (como cabalmente desempenhou) essas funções! Apesar de ter que seguir no dia seguinte, resolvi-me a esperar para melhor apreciar, depois de longo tempo, uma representação teatral. A peça anunciada era a tragédia – Nova Castro – sendo precedida à força, pouco me interessava por ser uma que já se apresentava no tempo de meu avô! Era o Esganarello.

Em consequência da chuva, foi o espetáculo transferido para o dia seguinte; e eu, ansioso como estava, ainda fiquei. Com efeito, o resultado excedeu a expectativa! Ás 8 horas da noite se achavam reunidos no Theatro muitos cidadãos, entre os quais alguns oficiais superiores e subalternos com os seus uniformes de gala; além disto, os camarotes se achavam apinhados de famílias, que realçavam com sua elegância esse recinto. O Theatro apesar de ser ligeiro, não estava mal acomodado para a localidade; sendo, segundo me consta, sem rival na província.

Subiu o pano; um dossel brilhantemente adornado com o retrato do Snr. D. Pedro II se apresentou aos olhos dos espectadores; e a companhia dramática postada em semicírculo, rodeava a augusta efigie. O subdelegado como autoridade que policiava o espetáculo, se apresentou no seu camarote, dando os costumados – vivas, em solenidade ao dia, que foram respondidas com entusiasmo pela multidão, pelos próprios atores: findo a representação habitual, começou a representação da tragédia. Todos os elogios seriam somente ao bom desempenho dessa obra!

Parece que o geral regozijo que transpirava nos semblantes dos espectadores, ia como por encanto nos corações dos artistas! Porque estes se esforçaram e fez brilhantemente sobressair no palco essa sublime produção, bem digna de solenizar esse dia! Tudo foi entusiasmo entre o palco e a plateia! E o público grato para com os atores, os chamou à cena no final, para com lhes agradecer com novos aplausos, o prazer que lhes tinham causado.

Apesar de já ter visto e muito conhecer a farsa, satisfeito como eu estava não quis deixar o Theatro; e confesso, que mais do que nunca, me agradou essa antiga composição, que foi satisfatoriamente desempenhada. Tive o prazer de no dia seguinte, antes da minha partida, falar com algumas pessoas a quem fui recomendado nessa Vila, elas quais solenemente sou agradecido pela sua boa hospitalidade e cavalheirismo, que me disseram ser este o primeiro Theatro que possuía no lugar o Ilmo. Snr. José Joaquim Pereira Branco, a quem também sou grato, que junto com o diretor Domingos Martins de Sousa primeiro artista da companhia, trabalharam para tão louvável fim.

Sendo, como sou realmente apreciador do Theatro não deixei de louvar tal instituição, nesse que prova o bom gosto e civilização de seus habitantes. A minha forçosa partida não permite demorar-me, para gozar mais algum tempo do mais deleitoso e útil divertimento que conheço. E parti com efeito no dia 10 com saudades da Vila de Ponta Grossa.

***

Segundo relatos do viajante a Vila de Ponta Grossa teve Teatro, na casa do Sr. José Pereira Branco, por insistência de sua esposa de origem sa, que sentia muitas saudades dos teatros da França. Para contentar sua amada resolveu abrir sua casa para os artistas encenarem as peças que vinham dos centros maiores como São Paulo e Rio de Janeiro e também da Europa. Somente em 1876 seria inaugurado o Teatro Sant’Ana na Rua das Tropas, depois Rua Augusto Ribas. Que maravilha! Tudo isto ocorreu antes mesmo de Ponta Grossa ter sido reconhecida como cidade.

Nota do Organizador: o texto faz referência a duas peças. A primeira, denominada no texto por “Nova Castro” de autoria de João Baptista Gomes Jr. é baseada na tragédia de Inês de Castro, nobre do Reino da Galícia, que segundo a lenda foi coroada Rainha de Portugal depois de morta por D. Pedro I. Já a segunda peça denominada “Esganarello” é uma comédia em somente um ato e apresentada em versos, de Molière.

Ora, vejam como a Vila de Ponta Grossa era culta o suficiente para apreciar Molière! A referência à aclamação de D. Pedro II é devido ao aniversário da coroação do Imperador, ocorrida no dia 18 de julho de 1841. Portanto era uma comemoração antecipada. Como não existem imagens desse teatro ou da apresentação teatral, a imagem que ilustra o texto foi criada por IA inspirada na narrativa e nos elementos descritos, mostrando a encenação da peça “Esganarello”, no estilo que obedece à técnica de desenho de um esboço à carvão.

*Isolde Maria Waldmann é historiadora, membro da Academia de Letras dos Campos Gerais e da Associação Germânica dos Campos Gerais e tem um trabalho significativo de pesquisa e resgate da história dos Campos Gerais. É participante frequente da coluna Sherlock Holmes Cultura, publicada no Diário dos Campos.

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