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1542: viagem pelos Campos Gerais resultou em 100 mortos

Ao continuarmos seguindo os primeiros vestígios deixados pelos europeus nos Campos Gerais, vamos encontrar o fidalgo espanhol cuja vida se resume na palavra aventura: D. Álvar Nuñez Cabeza de Vaca. Foi o segundo a palmilhar nossa região, mas o primeiro a cruzá-la com militares e cavalos.

O percurso que ele fez pelo caminho do Peabiru, cortando Santa Catarina e o Paraná até Assunção, foi, na verdade, apenas um aperitivo em relação à sua peripécia imediatamente anterior. Em 1527, Cabeza de Vaca explorara a Flórida, onde nenhum homem do dito mundo civilizado ainda pisara.

Havendo perdido quase todos os tripulantes e navios que compunham a expedição, ficou apenas com quatro expedicionários que, liderados por ele, percorreram a pé e em barcos, todo o sul dos EUA, da Flórida a Sinaloa, do Atlântico ao Pacífico, até caírem prisioneiros de índios dessas regiões. Em fuga, lograram alcançar terras de “cristianos” no México. Por fim, conseguiram retornar à Espanha!

Uma nova empreitada de Cabeza de Vaca

Foi após isso que, em 1540, o Rei castelhano convocou-o para uma nova expedição, desta vez ao Rio da Prata, a qual visava socorrer espanhóis isolados na região e desorientados com as mortes de seus líderes. Então, foi-lhe conferido o título de Governador Geral ou Adelantado das possessões espanholas na América do Sul. Saiu de Cadiz em três naus, com soldados e cavalos. Atingiu La Palma, Cabo Verde, Cananéia e a Ilha de Santa Catarina, onde aportou em 29/03/1541.

Já em terra descoberta por Portugal, recebeu informes sobre a situação no Rio da Prata, onde grassavam sérias disputas entre oficiais, colonizadores e indígenas. Por isso, urgia que chegasse a Assunção. Daí, decidiu ir por terra, no roteiro feito por Pedro Dorantes que, a seu mando, explorara a região e concluíra que a melhor saída era pelo Rio Itapocu “en la punta de la isla de Santa Catalina”.

A partida da comitiva

Em 18/10/1541, Cabeza de Vaca partiu das cercanias de S. Francisco do Sul, com 250 soldados e 26 cavalos, depois mandar seu irmão Pedro seguir por mar até o destino final.

Sem maiores atritos com os índios que encontrava, cruzou o Rio Itapocu, subiu a Serra do Mar e atingiu o curso superior do Rio Iguaçu, não sem antes tomar posse da terra “nuevamente descobierta”, chamando-a de Província de Vera.

agem sobre o Rio Tibagi

O grande conquistador aproximava-se, agora, da região dos Campos Gerais. Em seus escritos diz que chegaram a um rio que os índios chamavam Tibagi ou Atibagiba: “rio calçado com pedras planas, postas com tanta ordem e acerto, como se o trabalho houvera sido feito pela mão do homem”. A água corria “com gran furia e fuerza”, fazendo resvalar soldados e cavalos nas pedras limosas.

A cordialidade indígenas

Em seu percurso rumo à cidade de Assunção, Cabeza de Vaca, com soldados e cavalos, encontrou vários grupos indígenas que sempre se mostraram íveis e cordiais, trazendo víveres até os expedicionários (galinhas, patos, mel, mandioca, farinha de pinhão) e recebendo pequenos objetos em troca.

Cavalos assustavam os nativos

Nessas ocasiões, os índios mostraram-se temerosos em relação aos cavalos que viam pela primeira vez: para agradá-los, traziam-lhes mantimentos e, de longe, procuravam conversar com eles, rogando também ao comandante para que dissesse aos animais que não se irritassem.

Dezembro de 1541

Vadeado o Tibagi, já na região dos campos onde imperava o cacique Tapapirazu, chegou o índio cristianizado de nome Miguel, o qual retornava de Assunção. Nessa oportunidade, o Adelantado colheu preciosas informações sobre o que acontecia no Rio da Prata, em que europeus, a maioria espanhóis, não se entendiam e enfrentavam a hostilidade de várias tribos.

Um turista no Paraná

Esse diálogo esclarecedor aconteceu no mês de dezembro de 1541, em algum ponto dos Campos Gerais: de um lado, a primeira autoridade governamental a pisar a região e, de outro, Miguel, lépido turista que não necessitava de aporte e nem de alfândegas para ir de uma ponta a outra do continente. Reinhard Maack, renomado geógrafo, afirma que tal encontro ocorreu nas vizinhanças de Ponta Grossa, um pouco a oeste da atual localidade do Lago. Miguel, o informante, voltou por fim ao Paraguai com os soldados, na condição de guia e intérprete.

Canibais, mas amistosos

Interessante, nesses anos pós-descobrimento, é o perfil dos indígenas desta região, considerados guaranis por Cabeza de Vaca: “lavradores que cultivam o milho e a mandioca duas vezes por ano, criam galinhas e patos como nós, na Espanha, possuem papagaios, ocupam um vasto território e falam uma só língua. Mas também comem carne humana, tanto a dos índios seus inimigos, quanto dos cristãos ou de seus próprios companheiros de tribo. É gente muito amiga, mas também muito guerreira e vingativa”.

Do Abapã a Assunção

Daqui, o contingente se dirigiu até à aldeia de Abapani (Abapã), onde igualmente recebeu fartos alimentos e encontrou a pista central do caminho do Peabiru. Transpôs o rio Ivaí, travou amizade com outros caciques, como Pupejabe e Abangobi e, no final do ano de 1541, com a tropa exausta, subiu a Serra da Esperança, para depois descansar nas nascentes do rio Cantu.

Cruzou a seguir o alto Piquiri, os rios do Cobre e Iguaçu em canoas improvisadas. Depois de vislumbrarem os majestosos saltos do Iguaçu, o grupamento chegou à povoação de Assunção no dia 11/3/1542. Foram 10 meses de viagem e 100 homens engolidos pela floresta.

O autor é um dos fundadores da Academia de Letras dos Campos Gerais, advogado, e foi juiz, vereador e prefeito da cidade de Prudentópolis, de onde é natural. Entusiasta da História, é autor de diversos livros, incluindo “Das Colinas do Pitangui…” e “Corina Portugal: História de Sangue e Luz”.

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